O que te causa a leitura da afirmação acima?
Esta foi a afirmação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, momentos antes de assumir a presidência da suprema corte brasileira.
Na visão do então presidente do STF, apenas advogados mais qualificados podem exercer advocacia nos tribunais superiores, devendo limitar-se quem pode defender causas perante as instâncias mais altas do país.
Segundo Peluso, seria necessário por fim ao grande número de advogados despreparados, sem mínimas condições técnicas de atuação em causas mais complexas.
O ex-ministro sustenta que o despreparo de alguns advogados influencia muito na morosidade de assistência do Poder Judiciário, visto que juntam petições impertinentes à natureza do recurso ou querem falar nos autos em momentos completamente indevidos.
A falta de traquejo ao analisar um caso apresentado, acaba por encher as antessalas dos ministros com advogados querendo falar de seus casos e muitas das vezes pleiteando decisões impossíveis de se realizarem, pois devem ser analisadas pelo colegiado e não monocraticamente, oportunidade em que já se verifica a falta de preparo do profissional, inclusive por não conhecer o regimento interno da corte na qual pretende fazer seus requerimentos.
A posição adotada pelo ex-ministro se justifica pelo fato do crescente número de bacharéis em direito, os quais saem com o título em mãos, porém muitas vezes sem a qualificação exigida para a aplicação do bom direito. O fato do país estar cheio de advogados não significa que todos estão preparados para atuar em causas complexas, de modo que acabam se aventurando e prejudicam não só o seu cliente, mas toda a sociedade ao abarrotar o judiciário com processos, petições e despachos muitas vezes infundados ou sem a menor chance de êxito em prosseguir com aquele pleito.
Ainda segundo o ex-ministro, o preparo é fundamental, assim como é necessário que o advogado tenha total domínio sobre o que esta fazendo na corte superior, sobretudo quando for sustentar sua tese. Postura, oratória, técnica, objetividade, entre outros, devem ser observados para não tornar constrangedor e desanimador aquele momento ao destinatário da prova, no caso, os magistrados.
Para Peluso, tal pensamento não fere qualquer aspecto de isonomia, tendo em vista que a igualdade deve estar nas condições para se tornar um advogado de atuação nas cortes superiores, de modo que tão só os que estudarem, os melhores hão de poder expor suas causas e debater com os ministros suas teses em alto grau de jurisdição.
De fato, o predicado constitucional de que “o advogado é indispensável para justiça” deve estar “espelhada na competência do profissional, daqueles que representam a classe em cada um dos julgamentos. Horrível é sentir vergonha de outro advogado. Horrível ouvir falar sobre a contratação de indivíduos que vendem fumaça e cinza a incautos clientes.
Horrível imaginar que honorários altos são pagos a quem nem mesmo merece integrar esta profissão de tão alta responsabilidade e honradez” finaliza o ex-ministro.
Peluso se manifesta em relação a situações ocorridas nas cortes superiores, porém a problemática apresentada não é exclusiva da capital federal.
Por todo o país é comum verificar advogados sem o menor traquejo para advocacia. Pessoas que não dispõem do mínimo de conhecimento técnico para atuação na resolução de conflitos.
Vai-se além. Não basta compreender a doutrina de Claus Roxin ou mesmo as lições de Clovis Belvilhaca, advocacia hoje requer preparo emocional, conhecimento existencial do ser humano, cultura de modo geral, sobretudo uma boa formação humanística.
O saudoso ministro Evandro Lins e Silva já dizia: “Leia os clássicos, leia poesia, leia romance, leia jornal. Se sobrar tempo, leia então direito. Advogado tem de ler a alma humana, o mundo à volta. AS CHAVES NÃO ESTÃO NOS LIVROS DE DIREITO”. O que ele queria dizer com esse conselho? Que antes da técnica, vem a formação humana. Como pode um advogado tentar defender alguém se não tem conhecimento de nada sobre a vida? Como pode um jurista tentar aplicar a letra fria da lei sem ao menos conseguir compreender, sentir o calor das relações humanas que levaram o indivíduo à prática de determinado ato.
A formação do advogado influencia no seu cotidiano e rotina. A postura do advogado fala muito sobre sua formação. A prática nos ensina que não raras às vezes, acordos são infrutíferos não por culpa da parte, mas por total falta de habilidade do advogado que ela escolheu. Verifica-se que o próprio advogado por ignorância, despreparo ou seduzido pelo momento que putativamente entende estar sendo alguém “importante”, acaba colocando a pretensão de um bom acordo em um terreno completamente infértil, inviabilizando qualquer avanço nas tratativas, o que acaba gerando prejuízo e atraso na vida do cliente.
O traquejo, a cortesia, a deferência, mormente a BOA EDUCAÇÃO fazem toda a diferença, seja na hora de negociar com as partes ou de despachar um processo com o magistrado.
A experiência nos mostra que a maioria esmagadora daqueles que detêm o título de “doutor”, não sabem se quer porta-se em uma simples audiência de conciliação.
O que mais se observa é aquela figura com traços peculiares, que quando está na frente do cliente tenta, a todo custo, impressioná-lo. Para os profissionais do direito que estão assistindo aquela encenação, chega a beirar o ridículo a grotesca interpretação. Advogados que querem a palavra em momentos inoportunos, nos quais sem a menor necessidade elevam o tom de voz, bradando as “razões” de seu assistido, acabam propositalmente sendo grosseiro com as partes, tratando com soberba o caso, de modo que para aqueles que estão observando, em verdade não foi apresentada qualquer técnica processual ou mínimo conhecimento acerca do direito, ficando claro que tal figura intitulada de advogado, nada sabe sobre o bom direito, demostrando toda sua deficiência intelectual acerca do tema tratado.
A expansão de cursos de direito no país e explosão de bacharéis tornou o mundo jurídico um cenário que vem perdendo cada vez mais sua liturgia.
Antes, expansão de cursos de direito, uma formação acadêmica sólida era conditio sine qua non para atuação na advocacia. Entretanto, com o boom das academias de direito, essa condição passa longe de ser um requisito.
A premissa de que “quanto mais pessoas tem acesso a formação superior em direito, mais desenvolvido esta o país”, em verdade tem-se como uma grande falácia.
O excesso de faculdades de direito não reflete verdadeiramente em qualquer espécie de evolução, seja no campo acadêmico ou no campo econômico, isso porque a falta de preparo que se vê dos profissionais da advocacia é gritante.
O fato de termos mais de um milhão de pessoas inscritas como advogados no país, não significa que temos um milhão de pessoas preparadas para atuação direta dos conflitos.
Esse despreparo somente serve para abarrotar o poder judiciário com demandas muitas vezes sem qualquer capacidade de existência, atolam os cidadãos com orientações incautas, sobretudo os mais necessitados, os quais tem baixo nível de conhecimento e acabam atribuindo autoridade àquele que tem um título de bacharel, mas que em verdade, afastado o título, o nível intelectual é semelhante ao daquele que o procura.
Esse despreparo, ora em análise, não se limita como exclusividade dos novos advogados, pelo contrário, se encaixa muito bem naquelas tidos como “mais experientes”.
Neste quadro de “mais experientes” comumente tem-se aquela figura que tenta valer-se de seu “nome”, tentando transparecer para comunidade que sua figura é praticamente um sábio, uma fonte de conhecimento atribuído aos anos de prática, porém essa figura muitas vezes não sabe se quer ligar um simples computador, tecnologia então, acha que é coisa do futuro.
É inaceitável um advogado tentar representar um cliente sem ter domínio completo sobre a tecnologia de sua área. Com o avanço tecnológico, fóruns, tribunais e setores administrativos estão informatizados em todo país.
Esse despreparo que cruzamos no dia a dia não se restringe à tecnologia, vai além e chega a ser jocoso cruzar com essas figuras intituladas como “grandes advogados” que nunca se atualizaram. A lei é mutante, está em constante transformação, estudar é preciso. Congressos, palestras, cursos, especializações, leitura, prática, inovação. Tudo que somar ao conhecimento é FUNDAMENTAL para aplicação do bom direito.
A velha advocacia não tem mais espaço nesta que Zygmunt Bauman classificou como modernidade líquida. Aquele arcaico modo de fazer advocacia não tem mais lugar, não consegue caminhar em meio a esse advento que estamos experimentando.
O pensamento de Peluso, preconizado momentos antes de ascender à presidência do Supremo Tribunal Federal, é digno de registro, pois de fato chegou. Não há mais espaço para os advogados despreparados, se fossem inertes, ainda seriam tolerados, entretanto, além de não serem inertes, causam atraso ao desenvolvimento do país
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Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. _____. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
CONJUR.com.br/2010-abr-21/advogado-despreparado-nao-defender-causas-tribunais-superiores. Acesso em: 14 de julho de 2020.
STF.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoInstitucionalMemoriaJurisprud/anexo/Evandro_Lins.pdf. Acesso em: 14 de julho de 2020.
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