As questões familiares, muitas vezes, são levadas à justiça na busca de solução de conflitos extremos, devido a complexidade e peculiaridade envolvendo cada caso. Embora as disposições do Código Civil com vigência atual tenham evoluído consideravelmente nas últimas décadas com relação às hipóteses de dissolução do casamento, os juízes têm de enfrentar questões as quais a simples aplicação da lei não é suficiente.
Foi o que ocorreu recentemente com um processo decidido em segundo grau pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba. Neste caso, um homem obteve êxito em uma ação de anulação de casamento e impugnatória de paternidade, após provar ter sido enganado pela esposa com relação à paternidade da criança e por este fato exclusivo ter celebrado o casamento.
No juízo de origem, na comarca de Pombal, o juiz havia declarado que o homem não é pai biológico do menor, após realização de exame de DNA, determinando a retirada de seu nome da certidão de nascimento. Todavia, não havia acolhido o pedido de anulação do casamento entre as partes, por entender que “Não é possível que em pleno século XXI alguém afirme que foi obrigado a casar porque sua namorada estava grávida, e isso não significa que ela fosse uma desonrada”. (1)
Entenda o Caso
Para compreender a que se deve a decisão da justiça em segundo grau, com o acolhimento do pedido de anulação de casamento, é necessário examinar o que o Código Civil estabelece quanto aos fatos que podem resultar na anulação do casamento e o que a Lei considera erro essencial.
Sobre a anulação do casamento, o Art. 1.550 do Código Civil dispõe que é anulável o casamento, dentre outras razões, por vício de vontade, cujos termos o legislador define nos artigos 1.556 e 1.5571.
Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
No caso da Paraíba, o homem alegava haver erro quanto à pessoa da então esposa, em relação à sua identidade, honra e boa fama, que tornou insuportável a vida em comum dos dois. Segundo o homem, ele só teria se casado com a mulher por acreditar que seria ele o pai da criança que na época do casamento ela esperava.
Após o casamento, aduz o homem que teria descoberto a infidelidade da esposa, em diversas oportunidades e mais grave, ela mesma teria lhe dito que tinha dúvidas quanto à paternidade do menor.
O ponto central a se debater é que, a simples descoberta da infidelidade não seria mesmo causa para anulação do casamento. Porém, a partir da comprovação pelo homem de que só se casou em razão de ser o pai da criança e que, se soubesse que não era ele o pai, não teria se casado, restaram preenchidos os requisitos para a anulação por erro essencial.
O que reforçou essa tese, de forma decisiva para o Tribunal, foi o reconhecimento, pela mulher, de todos os relatos de casos extraconjugais que ela possuía antes do casamento, dos quais o esposo somente teve conhecimento após o casamento.
No contexto social em que vivemos vem se tornando comum as ações de anulação de casamento por erro quanto à pessoa do cônjuge.
Notadamente, boa parte dos pedidos de anulação se devem a casos como a crescente e lamentável violência contra a mulher, quando muitos esposos, já na noite de núpcias, agridem a esposa; casos de descoberta de homossexualidade, transsexualidade ou bissexualidade do parceiro logo após o casamento; descoberta de crimes inafiançáveis cometidos antes do casamento; defeitos físicos ou doenças incuráveis, graves e transmissíveis que possam prejudicar a futura prole do casal, dentre outros.
Quanto à produção de efeitos de uma sentença como esta, que anula o casamento, e as diferenças daqueles produzidos pelo divórcio, Maria Berenice Dias (2015), dispõe de forma primorosa que
de qualquer forma, há diferença entre divórcio e a desconstituição do casamento pela sua nulidade ou anulabilidade. A anulação do casamento tem efeito retroativo e o dissolve desde sua celebração (CC 1.563). O divórcio produz efeitos a contar do trânsito em julgado da sentença que o decreta.
Conclusão
Diante do exposto, importa esclarecer que a forma ordinária de dissolução de união celebrada pelo matrimônio, continua sendo o divórcio. No entanto, em situações pontuais tais como as citadas acima, e, desde que respeitados os prazos (2) e demais requisitos dispostos em Lei, é possível requerer anulação do casamento.
Tanto a celebração do casamento como também sua dissolução, envolvem consequências patrimoniais e extrapatrimoniais muito significativas. Logo, o controle judiciário pela atuação do juiz é fundamental para garantir a evolução do direito aliada às mudanças sociais, sem deixar que a anulação do casamento seja banalizada, passando a ser utilizada também por motivos insignificantes
Referências
(1) TJPB – ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00000924220098150301, 1ª Câmara Especializada Cível, Relator DESA. MARIA DE FÁTIMA MORAES BEZERRA CAVALCANTI , j. em 08-10-2019.
(2) Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, a contar da data da celebração, é de: I – cento e oitenta dias, no caso do inciso IV do art. 1.550; II – dois anos, se incompetente a autoridade celebrante; III – três anos, nos casos dos incisos I a IV do art. 1.557; IV – quatro anos, se houver coação.
Brasil. Código civil. Promulgado em 10 de janeiro de 2002. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 16 jan. 2020.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Ed. RT. 2015.