A recém promulgada Lei 13.964/2019 (1), denominada “pacote anticrime”, entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020. A Lei é polêmica e vem sendo considerada por algumas instituições e juristas como um grande avanço na legislação penal, enquanto outros a criticam duramente e falam em retrocesso. Fato é que a Lei institui alterações muito profundas, cujos efeitos práticos somente serão sentidos em alguns meses.
Dentre as principais alterações, a Lei eleva o tempo máximo de prisão de 30 para 40 anos, estende a legítima defesa a agentes de segurança pública que agem para repelir agressão ou risco a vítima mantida refém, cria a figura do juiz das garantias que em tese se responsabiliza pela legalidade da investigação criminal e garante respeito a direitos individuais, modifica de forma profunda a Lei de crimes hediondos, altera as hipóteses de incidência de prescrição de crime e regulamenta de forma mais abrangente o instituto da colaboração premiada.
Neste sentido, embora sejam várias as polêmicas que envolvem a Lei anticrime, é necessário tratar de cada uma delas a fim de que se tenha uma ideia, ao menos preliminar, daquilo que pode se esperar dessas tão profundas alterações. Um dos institutos que mais vem despertando curiosidade e discussões é a colaboração premiada.
Entenda a Modificação
colaboração premiada foi inicialmente regulamentada pela Lei 12.850/2013 (2), conhecida como Lei das Organizações Criminosas. A nova legislação anticrime, na intenção de proporcionar mais segurança jurídica e aperfeiçoamento do sistema, definiu alguns limites e regras para sua utilização.
A instituição do primoroso artigo 3º-A na Lei acima mencionada dispõe que
O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos.
Neste sentido, ao deixar claro sua natureza jurídica, a Lei determina que a colaboração premiada deve se limitar aos fatos que estejam sendo objeto das investigações. Neste passo, o colaborador não é obrigado a relatar sobre todo e qualquer ilícito de que tenha participado e que sequer tenha relação com o objeto da investigação.
A Lei também veda expressamente que se determine medidas cautelares como prisões, bloqueio de bens e apreensões, somente com base nas declarações do colaborador, exigindo que a autoridade busque provas ou ao menos indícios que sustentem as declarações prestadas em sede de colaboração.
O novo texto legal define também que no momento da homologação do acordo, o Juiz não pode simplesmente fazer uma análise formal de voluntariedade e legalidade como antes era feito. Agora, o Juiz, antes de homologar a colaboração premiada, deve emitir um juízo de mérito sobre a denúncia, ainda que de forma precária, analisando o mérito da acusação e da colaboração, além de conferir se existe mesmo viabilidade na formulação do acordo.
Resta, desta forma, a partir de então mais rara e dificultada a ocorrência de levantamento de sigilo com divulgação do conteúdo do acordo de colaboração premiada como se via até então. A partir da nova legislação anticrime, o pacto de confidencialidade ganha mais prestígio e confiabilidade.
Aliás, o termo de confidencialidade que deve ser assinado logo no início das negociações, vincula todos os órgãos envolvidos na negociação e exige que, caso haja indeferimento futuro, este somente ocorra por justa causa.
Ademais, o acompanhamento de advogado durante as negociações do acordo e nas declarações formais também passa a ser exigência expressa da Lei, disposta de forma inequívoca no parágrafo 1º do artigo 3º-C, senão vejamos:
Art. 3º-C. A proposta de colaboração premiada deve estar instruída com procuração do interessado com poderes específicos para iniciar o procedimento de colaboração e suas tratativas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor público.
§ 1º Nenhuma tratativa sobre colaboração premiada deve ser realizada sem a presença de advogado constituído ou defensor público..
Destaca-se como posicionalmente acadêmico, profissional e pessoal que deve o colaborador ter a presença de seu advogado em todas as fases, não somente nas formais. É direito do colaborador se fazer acompanhar de advogado mesmo nos procedimentos tidos como “informais”, as chamadas “simples conversas”.
Caso o colaborador opte por não celebrar o acordo, todas as informações ou provas que houver apresentado de boa-fé, durante a vigência das negociações, não poderão ser aproveitadas.
Como já se esperava, a Lei tem graves lacunas, tais como a falta de definição de mecanismos que evitem que o colaborador se aproveite propositalmente da apresentação de provas cruciais de crime durante uma negociação de colaboração premiada que não pretenda homologar, para que se tornem inservíveis no restante do processo.
Os reflexos disso certamente passarão a ser regulados pela atuação dos magistrados, em cada processo na prática.
Conclusão
Desta feita, as importantes alterações na Lei anticrime quanto à colaboração premiada, não desconsiderando as polêmicas que as cercam, prometem cumprir um papel de impor segurança jurídica a este importante instrumento.
Resta saber se os efeitos serão sentidos de forma tão positiva quanto é esperado na prática e se as limitações pesarão de tal forma que inviabilizem ou mesmo banalizem a utilização da colaboração premiada como negócio jurídico eficaz contra organizações criminosas
Referências
(1) Brasil. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm>. Acesso em: 20 jan. 2020..
(2) Brasil. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em 20 jan 2020.