A doação como antecipação de herança e a obrigatoriedade de colação

A doação como antecipação de herança e a obrigatoriedade de colação

A doação é uma espécie de contrato pelo qual alguém por mera e livre vontade transfere a outra pessoa algum patrimônio ou bens próprios. Este instituto é muito utilizado por pais que desejam, em vida, garantir conforto material a alguns ou todos os filhos.

Porém, a doação entre ascendentes e descendentes, embora seja plenamente possível, esbarra em limitações quanto à herança que será aberta após seu falecimento, eis que, conforme artigo 1.846 do Código Civil, metade dos bens de propriedade de uma pessoa, não podem ser por ela em vida doados à mera liberalidade e de forma a desamparar a legítima de pleno direito dos seus herdeiros necessários, ou seja, após a abertura da sucessão, metade do patrimônio pertence aos descendentes, ascendentes e cônjuge, cada qual com seus direitos que devem ser analisados em cada caso concreto.

Então, quais seriam alguns exemplos de cuidados que os pais precisam tomar ao fazer uma doação, em vida, a um ou alguns de seus herdeiros necessários?

Entenda Melhor

É importante compreender que a metade dos bens de alguém é chamada no Código Civil de “legítima”, e como já disposto, “pertence” aos herdeiros necessários que são os descendentes, ascendentes e cônjuge do doador, para assegurar a estes indivíduos do núcleo familiar o amparo após o falecimento do doador.

Logo, desde já se esclarece que se a doação a ser feita a um herdeiro necessário contemplar um patrimônio maior que a legítima, ou seja, mais de 50% do patrimônio total do doador ao tempo da doação, ela poderá ser anulada por atingir patrimônio da legítima.

A proteção da metade dos bens de alguém, em favor de seus herdeiros necessários, é levada a sério pelo legislador civil. Tanto que este optou por considerar que a doação feita entre ascendentes e descendentes, ou de um cônjuge a outro, em regra significa adiantamento de herança/ legítima.

Assim, ainda que a doação a um filho, por exemplo, seja de valor inferior a 50% do total do patrimônio, não tendo o doador a intenção de que esta se configure como adiantamento de herança, deverá dispor expressamente que se trata de doação de valor correspondente à parte disponível, não se comunicando com a legítima. Trocando em miúdos, o doador que assim dispõe evita que o bem integre o patrimônio a ser partilhado após a sua morte. Assim, em linguagem popular, esse bem doado não entra no inventário, sendo de patrimônio exclusivo daquele que recebeu a doação.

Porém, se não houver essa disposição expressa no contrato/Escritura de doação, o bem doado é considerado antecipação de herança, e deve ser declarado pelo herdeiro na abertura do inventário. Essa declaração é nomeada pelo Código Civil de “colação” e é tratada em seu artigo 2.002, senão vejamos:

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Assim, a colação é uma conferência de bens da herança com outros que tenham sido transferidos pelo “de cujus” em vida, aos seus descendentes. Se, a título de exemplo, o filho que recebeu a doação como adiantamento de herança, já tiver vendido o bem quando do falecimento do doador, ainda assim está obrigado à colação, declarando o valor do bem que recebeu para englobar a partilha a ser realizada.

Portanto, a dispensa do donatário da colação é a disposição expressa e inequívoca do doador, no instrumento de doação ou por testamento, que o bem doado pertencia à parte disponível do seu patrimônio, não alcançando a “legítima”.

Se o instrumento de doação é feito de forma a declarar que o bem doado não corresponde à legítima, o herdeiro necessário em favor de quem foi feita a doação não perde direito à integralidade de sua parte na legítima.

Até aqui as disposições se aplicam a doações gratuitas. Aquela doação que é chamada de remuneratória, quando por exemplo um pai doa ao filho um bem por determinado trabalho que o filho tenha realizado em seu favor, sem remuneração, é excluída da obrigação de colação.

Importante destacar, também, que o fato de haver reserva da legítima em favor dos herdeiros necessários, disposta acima, não significa que o doador não possa dispor de todos os seus bens livremente em vida. Na verdade, somente há restrições em relação a alguns tipos de negócio, tais como a aqui tratada, doação entre ascendentes e descendentes.

Conclusão

A partilha de bens realizada ainda em vida pode evitar as disputas judiciais em processos de inventário que parecem intermináveis. A doação e o testamento são formas muito eficazes para realização desta partilha. Porém, devem se realizar sob orientação de um advogado de forma a garantir que preencherá todos os requisitos legais, não correndo risco de ser invalidada.

Embora em regra qualquer um possa dispor livremente de seus bens, os negócios realizados entre ascendentes e descendentes, e entre cônjuges, devem ser cercados de cuidados, sob pena de se tornar um verdadeiro tormento para os herdeiros do doador bem como para o próprio donatário.
Este artigo, é meramente informativo, não dispensando a consulta formal com advogado especializado!

Referências

Brasil. Código Civil. Promulgado em 10 de janeiro de 2002. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 16 jan. 2020.